A rua, meu lar


Todos os anos na chegada do Natal o espírito solidário passa a tomar conta das pessoas. Todos querem ajudar nesta época, seja por sobrar um pouco mais de dinheiro com o 13° salário ou porque o espírito natalino faz brotar sentimentos esquecidos durante o ano. Muitas pessoas com residência fixa vão para as ruas esperar ajuda das pessoas e aqueles que já moram nas ruas esperam melhores doações.

Brazlândia tem um ar meio interiorano, de cidade pequena, misturado a um estilo de vida um pouco mais privilegiado de morador do Distrito Federal, a Capital do País. São extremidades que se contrastam no estilo de vida de cada morador. Produtores rurais, assalariados, servidores públicos que fazem dela uma cidade satélite diferente. As carências são muitas, mas as riquezas também.

Diversas figuras lendárias fazem parte da história da cidade, são os moradores de rua. Todos têm alguma história para contar ou já cruzaram com eles em alguma rua da cidade nas mais variadas situações. E o reduto de encontro de muitos que chegam e de muitos que não sabem pra onde vão é a Rodoviária de Brazlândia. São várias histórias contadas, muitos foram parar lá sem perceber e transformaram a aquele local em um lar.

De manhã ou de madrugada dezenas de pessoas dormem, fazem suas necessidades e se alimentam sem sair do Terminal. Os comerciantes são testemunhas de vida daqueles que escolherem a Rodoviária por opção ou por não ter alternativa. O convívio na maioria das vezes não é tão pacífico, de um lado os comerciantes que veem a clientela desaparecer com a grande quantidade de pedintes e mal zelados “frequentadores”; do outro lado, pessoas que se dizem incompreendidas e pedem ajuda.

Carlos José Roberto Pereira tem 45 anos e é morador de rua. Está em Brazlândia desde 1997, veio trabalhar em uma chácara nas proximidades e quando ficou desempregado foi parar na Rodoviária. Ele afirma que seu maior presente de Natal seria ganhar um violão. Conhecido por Viola, apesar de ser parecido com o jogador de futebol, o apelido se refere ao dom contagioso da alegria que se revela nos cantos do jovem senhor que tem samba nos pés e um repertório de Roberto Carlos a Caetano Veloso. O carioca de Bangú veio a Brasília realizar sonhos, não conseguindo, se entregou ao vício pelo álcool.

Vizinhos comerciantes contam que ele é o que mais sofre, chora quase sempre e não aceita a vida que leva. Além da depressão, sofre com os problemas de estômago gerados pelo uso descabido da bebida como remédio contra a frustração. Mas entre os diversos moradores de rua, há um laço de união, eles se defendem e dividem qualquer tipo de comida, água ou cobertor. Viola é também carinhosamente chamado de Neném, porque está sempre se lembrando de como sua mãe lhe chamava. Ele chora ao lembrar da família. “Queria tanto ver minha mãezinha, se eu for pro Rio não volto mais”, conta com suspiro de saudade.

O comerciante Clério Marcos reclama do vandalismo gerado pelos moradores e vê cliente ser espantado pelos vizinhos moradores de marquises. Segundo ele, não há nenhuma ação contínua do poder público. A única ação que se viu por lá foi a distribuição de sopas, que não acontece mais. “Falta abordagens mais constantes e ações eficazes contra esse tipo de ocupação”, afirmou Clério. Ele também conta que já tentou ajudar Viola oferecendo emprego, mas o carioca não conseguiu levar a vida regrada por muito tempo. Ele pode até ser uma exceção, mas a maioria não quer ser ajudado e gosta da vida que leva. Muitos já foram mortos ou desaparecem, mas o grupo está sempre se renovando. E nada muda naquele local.

O que o Governo pode oferecer é no máximo um albergue como moradia temporária ou uma passagem de volta a cidade de origem. Quem tem residência fixa encontra nas ruas algum tipo de liberdade, seja pelo uso de drogas ou álcool, ou para fugir de uma vida mal vivida. São diversas explicações, mas ainda não há soluções. De um lado o vandalismo e o descaso e, de outro, ações ineficazes e limitadas.

Publicado no jornal impresso Notícias de Brazlândia - Tiragem de oito mil exemplares, distribuído gratuitamente.

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